Os elementos que compõem a organização das escolas militares
mostram como as práticas disciplinares ritualizadas podem ser simbólicas e
instrumentais, construindo e reproduzindo identidades, ao mesmo tempo em que
atribuem hierarquia à linguagem moral aparentemente neutra de respeito.
Certamente uma das críticas mais veementes contra esta forma
de educação é a visão comumente assumida entre persuasão e coerção. Ao invés de
ver o uso coercivo da força como simplesmente um produto de persuasão, e
preciso entender que a coerção também pode ser uma parte da persuasão. Os ritos
militares são ricos de significados simbólicos que podem ter profundos efeitos
sobre a subjetividade e até mesmo simbolicamente elevar seus atores acima dos
interesses puramente materiais.
A persuasão e a coerção, portanto, não estão em conflito, e
podem estar presentes simultaneamente dentro da prática disciplinar. Os ritos
disciplinares e a conformação estão sempre localizados dentro de um sistema
complexo de relações sociais além do quadro bidimensional de civil versus militar,
com pessoas assumindo múltiplos papéis ou posições, por exemplo, um adulto pode
punir uma criança, mas também poderá ser punido por um superior. O simbolismo
dos rituais de militares moldou essas múltiplas formas de identidade, reafirmando
as relações entre elas através da noção de "respeito".
Um ponto que vimos gerar discussão, é algumas pessoas não
conseguirem entender a continência ao superior, um rito disciplinar observado
durante o ingresso diário na escola, em que os alunos cumprimentam, através da
continência, um outro aluno, que está ali representando a autoridade
constituída, através de uma graduação ou posto. Tal ritualística não foi
concebida como um castigo, mas sim como uma representação de respeito ao
superior hierárquico e um meio de transformar a disposição moral interna; o
aluno que é cumprimentado é percebido como representante do comando, portanto,
digno de respeito até mesmo pelos seus companheiros. É importante ainda
destacar que esse aluno não é escolhido aleatoriamente, ele é o “zero um” da
sua turma, naquele momento, um dos melhores e mais qualificados alunos da
escola. As promoções são, em geral, concedidas por “merecimento” e tempo,
criando então uma aspiração de quase todos, a alcançarem os postos mais altos.
Outro ponto de destaque é a doutrina, uma comissão escolar
(conselho disciplinar) formada por alunos e professores tem a função de
resolver os conflitos sociais e reforçar a ordem moral e o respeito entre os
alunos, por meio, mais uma vez, de punições, expandindo a prática disciplinar
de uma função docente a uma base de coparticipação entre discentes e docentes.
É importante destacar que a violência escolar sofre uma
drástica redução, em função da ordem disciplinar usada pelo regime militar.
Aqui, a punição como ferramenta de coerção e correção moral, também se tornou
uma ferramenta de disciplina do indivíduo, enquanto a violência era muitas
vezes legitimada pela necessidade de autoafirmação e garantia de um espaço
conquistado, no desenho do modelo disciplinar militar, a autoafirmação ou
preservação do espaço e garantido através de um "complexo de
respeito", onde o mérito e a disciplina são a base das relações do grupo. Nas
configurações escolares militarizadas, aqueles que são punidos ficam obrigados
a se submeter a vontade do grupo e as normas estabelecidas para manter a ordem.
Ainda mais importante, aqueles que estabelecem o castigo
como forma de conformação as normas estabelecidas, são, frequentemente, os
responsáveis pela promulgação das referidas normas e doutrinas, unindo assim docentes,
discentes e autoridades militares, na tentativa de controlar adequadamente as atividades
escolares dentro de padrões disciplinares de alto nível.
Em geral os resultados são positivos e adequados, existem
casos em que esses elementos simbólicos que combinam a persuasão cultural em
coerção, podem levar os colegas a, algumas vezes, mostrar pouca simpatia pelos indisciplinados,
endossando a aplicação da disciplina rígida e afastando aqueles que oferecem
uma resistência "selvagem" as autoridades.
Portanto, o modelo de organização militar escolar, está
alicerçado na disciplina e na ordem hierárquica, como forma de manter e defender
a ordem, permanecendo confiável como um modelo ideal da ordem social nas
escolas.
O modelo militar demonstra os aspectos potencialmente
disciplinares dos ritos, simbolizando a ordem moral e afirmando as autoridades
por trás deles. Ao mesmo tempo, chama a atenção para um aspecto raramente
discutido nos estudos dos rituais: os laços potenciais entre símbolos ou
práticas ritualísticas em contextos sociais. Da religião à política, da
publicidade às interações diárias, os ritos são um aspecto omnipresente da existência
social humana: o pensamento através dos laços e as possíveis transferências
simbólicas entre esses ritos, pode ser uma direção promissora para um estudo
mais aprofundado da disciplina militar nas escolas.
Eduardo G. Souza
Portador da Medalha “Marechal Trompowsky”
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar
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