Liberdade.

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Um grande abraço.
Eduardo G. Souza e Lígia G. Souza.

domingo, 4 de setembro de 2011

O PENDRIVE

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Haroldo tirou o papel do bolso, conferiu a anotação e perguntou à balconista: “- Moça, vocês têm pendrive?”

“- Temos, sim.” Respondeu a balconista.

“- O que é pendrive? Pode me esclarecer? Meu filho me pediu para comprar um.”

“- Bom, pendrive é um aparelho em que o senhor salva tudo o que tem no computador.”

“- Ah, É como um disquete...”

“- Não. No pendrive o senhor pode salvar textos, imagens e filmes. O disquete, que nem existe mais, só salva texto.”

“- Ah, tá bom. Vou querer um.”

“- Quantos gigas?” Perguntou a balconista.

“- Hein?”

“- De quantos gigas o senhor quer o seu pendrive?”

“- O que é giga?” Perguntou Haroldo.

“- É o tamanho do pendrive.”

“- Ah, tá. Eu queria um pequeno, que dê para levar no bolso sem fazer muito volume.”

“- Todos são pequenos, senhor. O tamanho é a quantidade de coisas que ele pode arquivar.”

“- Ah, tá. E quantos tamanhos têm?”

“- Oito, dezesseis, trinta e dois, sessenta e quatro, cento e vinte e oito gigas...”

“- Hmmmm, meu filho não falou quantos gigas queria.”

“- Neste caso, o melhor deve levar o maior.”

“- Sim, eu acho que sim. Quanto custa?”

“- Bem, o preço varia conforme o tamanho. A sua entrada é USB?” Perguntou a balconista.

“- Como?” Perguntou atônito Haroldo.

“- É que para acoplar o pendrive no computador, tem que ter uma entrada compatível.”

“- USB não é a potência do ar condicionado?”

“- Não, potência de ar condicionado é BTU.” Respondeu a Balconista.

“- Ah! É isso mesmo. Confundi as iniciais. Bom, sei lá se a minha entrada é USB.”

“- USB é assim ó: com dentinhos que se encaixam nos buraquinhos do computador. O outro tipo é este, o P2, mais tradicional, o senhor só tem que enfiar o pino no buraco redondo. O seu computador é novo ou velho? Se for novo é USB, se for velho é P2.”

“- Acho que o meu tem uns dois anos. O anterior ainda era com disquete. Lembra do disquete? Quadradinho, preto, fácil de carregar, quase não tinha peso. O meu primeiro computador funcionava com aqueles disquetes do tipo bolacha, grandões e quadrados. Era bem mais simples, não acha?”

“- Os de hoje nem têm mais entrada para disquete. Ou é DVD ou pendrive.”

“- Que coisa! Bem, não sei o que fazer. Acho melhor perguntar ao meu filho.”

“- Que tal o senhor ligar pra ele?” Sugeriu a balconista.


“- Bem que eu gostaria, mas meu celular é novo, tem tanta coisa nele que ainda nem aprendi a discar direito.” Confidenciou meio sem jeito Haroldo.

“- Deixa eu ver. Poxa, um Smarthphone! Este é bom mesmo! Tem Bluetooth, woofle, brufle, trifle, banda larga, teclado touchpad, câmera fotográfica, flash, filmadora, rádio AM/FM, TV digital, dá pra mandar e receber e-mail, torpedo direcional, micro-ondas e conexão wireless...” Falou empolgada a balconista.

“-Blue... Blue... Bluetufe? E micro-ondas? Dá prá cozinhar com ele?” Perguntou meio confuso Haroldo.

“- Não senhor. Assim o senhor me faz rir. É que ele funciona no sub-padrão, por isso é muito mais rápido.”

“- Pra que serve esse tal de bluetufe?” Haroldo, confuso, balançou a cabeça.

“- É para um celular comunicar com outro, sem fio.” Explicou a balconista.

“- Que maravilha! Essa é uma grande novidade! Mas os celulares já não se comunicam com os outros sem usar fio? Nunca precisei fio para ligar para outro celular. Fio em celular, que eu saiba, é apenas para carregar a bateria...”

“- Não, já vi que o senhor não entende nada, mesmo. Com o Bluetooth o senhor passa os dados do seu celular para outro, sem usar fio. Lista de telefones, por exemplo.”

“- Ah, e antes precisava fio?”

“- Não, tinha que trocar o chip.” Disse a balconista.

“- Hein? Ah, sim, o chip. E hoje não precisa mais chip?” Questionou Haroldo sem entender.

“- Precisa, sim, mas o Bluetooth é bem melhor.”

“- Legal esse negócio do chip. Então o meu celular tem chip?”

“- Lógico... Hoje todos tem... Sim, tem chip.”

“- Mas se tem bluetufe... O que faço com o chip?”

“- Se o senhor quiser trocar de operadora, portabilidade, o senhor sabe...”

“- Ah, sim, portabilidade, não é? Claro que sei. Não ia saber uma coisa dessas, tão simples? Imagino, então que para ligar tudo isso, no meu celular, depois de fazer um curso de dois meses, eu só preciso clicar nuns duzentos botões...”

“- Nããão! É tudo muito simples, o senhor logo apreende. Quer ligar para o seu filho? Qual é o número dele? Agora é só teclar, um momentinho... Agora é só apertar no botão verde... pronto, está chamando.”

Haroldo segura o celular com as pontas dos dedos, temendo ser levado pelos ares, para um outro planeta.

“- Oi filhão, é o papai... Sim... Me diz, filho, o pendrive é de quantos... Como é mesmo o nome? Ah, obrigado, quantos gigas? Sessenta e quatro gigas está bom? Ótimo... E tem outra coisa, o que era mesmo? Ah, nossa conexão é USB? É? Que loucura... Então tá, filho, papai está comprando o teu pendrive... De noite eu levo para casa.”

Haroldo devolveu o celular para balconista, que desligou o aparelho.

“- Que idade tem seu filho?” Perguntou a balconista.

“- Vai fazer dez em março.” Respondeu orgulhoso Haroldo.

“- Que gracinha...” Disse encantada a balconista.

“- É moça, ele é muito esperto... Bem vou levar um de sessenta e quatro gigas, com conexão USB.”

“- Certo senhor... Quer embrulhar para presente?”

Mais tarde, no escritório, Haroldo examinou o pendrive, um minúsculo objeto, menor do que um isqueiro, capaz de gravar filmes! “Onde iremos parar?” Pensou. Olhou, com receio, para o celular sobre a mesa. "Máquina infernal" Pensou. Tudo o que ele queria era um telefone, para discar e receber chamadas. E tem, nas mãos, um equipamento sofisticado, tão complexo que ninguém que não seja especialista ou tenha a infelicidade de ter mais de quarenta, saberá compreender.

Em casa, ele entrega o pendrive ao filho e pede para ver como funciona. O garoto insere o aparelho e na tela abre-se uma janela. Em seguida, com o mouse, abre uma página da internet, em inglês. Seleciona umas palavras e um 'havy metal' infernal invade o quarto e os ouvidos de Haroldo. Um outro clique e, quando a música termina, o garoto diz: “- Pronto, pai, baixei a música. Agora eu levo o pendrive para qualquer lugar e onde tiver uma entrada USB eu posso ouvir a música. No DVD do carro, por exemplo.”


“- O DVD do carro tem entrada USB?”

“- É lógico. Claro que tem Pai.”

“- É? Quer dizer que eu posso gravar músicas num pendrive e ouvir no carro?”

“- E só, se o senhor não quiser, baixar direto da internet e gravar no pendrive...”

Naquela noite, antes de dormir, deu um beijo em Clarinha e disse: “- Sabe que eu tenho Bluetufe no celular?”

“- Como é que é?” Perguntou Clarinha.

“- Bluetufe... Não vai me dizer que não sabe o que é?”

“- Não enche, Haroldo, vamos dormir...”

“- Meu bem, você lembra como era boa a vida, quando telefone era telefone, gravador era gravador, toca-discos tocava discos e a gente só tinha que apertar um botão, para as coisas funcionarem?”

“- Claro que lembro, Haroldo. Hoje é bem melhor, né?”

“- É... Várias coisas numa só, até Bluetufe você tem... E conexão USB também.”

“- Que ótimo, Haroldo, meus parabéns... Mas vamos dormir.”

“- Clarinha, com tanta tecnologia a gente envelhece cada vez mais rápido. Fico doente de pensar em quanta coisa existe, por aí, e que nunca vou usar.” Continuou Haroldo atrapalhando o sono de Clarinha.

“- Ué? Por quê?” Perguntou Clarinha curiosa.

“- Porque eu recém tinha aprendido a usar computador e celular e tudo o que sei já está superado...”

“- Ah... Por falar nisso temos que trocar nossa televisão.” Falou Clarinha.


“- Ué? A nossa estragou?” Perguntou surpreso Haroldo.

“- Não... Mas a nossa não tem “full HD”, “Suporte Bluetooth/Wifi”, tecla SAP, “slowmotion”, “tela widescreen”, “conexões HDMI, RGB e USB” e reset...”

“- Tudo isso?” Haroldo ficou perplexo.

“- Tudo!” Balançou a cabeça afirmativamente Clarinha.

“- A nova vai ter até bluetufe?” Perguntou incrédulo Haroldo.

“- Boa noite, Haroldo, vamos dormir que eu não aguento mais...” Disse Clarinha virando de lado.

Haroldo dormiu é sonhou estar cercado de botões, conexões, pendrives, celulares, TVs...



(A personagem é fictícia, mas pode ser algum de nós, ou alguém que nasceu antes dos anos 70 a 80).

Eduardo e Lígia G. Souza.
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